Nelson Fossatti
No extremo Estado do Rio Grande do Sul situam-se duas imensas lagoas, Lagoa dos Patos e a Lagoa Mirim, ambas demarcaram as fronteiras do Rio Grande do Sul, foram e são testemunhas da história, e da formação do Estado Brasileiro.
O viajante que seguir no rumo da fronteira verá que a histórica Lagoa Mirim parece descansar as águas azuis no imenso horizonte para abraçar freguesia de Nossa senhora das Graças de Arroio Grande, atualmente denominado Município de Arroio Grande.
Filho daqueles campos estão personalidades importantes, entre elas, o reconhecido herói Joaquim Teixeira Nunes, ou Coronel Gavião chefe dos lanceiros negros da Revolução Farroupilha, Gumercindo Saraiva que lutou na Revolução Federalista de 1893 e em especial a figura de Irineu Evangelista de Sousa- Visconde de Mauá.
O berço daqueles homens, em sua maioria, foi aquecido mais no fogão das revoluções do que no colo de suas mães, seus habitantes na sua maioria, eram forjados nas lides do campo, onde a economia primária se desenvolvia com base na pecuária e nas charqueadas.
Por natureza eram desbravadores, iluminados por um raio de esperança traziam em sua índole, a disposição de lutar por ideais e princípios próprios de uma época onde as fronteiras do Rio Grande, no dizer de João Neves da Fontoura, “ foram traçadas a ponta de lança e a pata de cavalo”.
Irineu Evangelista de Sousa -Visconde de Mauá era um destes homens. Nascido em 28 de dezembro de 1813, na então freguesia de Arroio Grande, homem de personalidade inquieta com a mente povoada de sonhos e de aspirações tornou-se um empresário realizador, após 200 anos, seus exemplos ainda se inscrevem na historia do País.
A epopeia de vida de Mauá, bem demonstra sua origem, capaz de vencer as intempéries de seu tempo, dar exemplos de palavra e honradez é considerado até hoje, o ícone do empreendedorismo e da industrialização do Brasil.
O que é ser empreendedor? HIRISH,( 1986) lembra que o termo empreendedor tem origem na palavra francesa intrepreneur aquele que assume riscos e sempre está buscando inovações. Conforme Kets de Vries (1977) na sua obra The entrepreneurial personality: a person at the crossroads, ser empreendedor significa ser inovador, aceitar e correr riscos, capaz de elaborar novas ideias, implementá-las bem como administrá-las, possuindo uma personalidade altamente imprevisível. Conceito semelhante ao de Mintzberg (2000) que entende empreendedor aquele que tem capacidade de lidar com riscos, sendo altamente estimulado pelos desafios que trazem a realização de seus projetos
Assim, pode-se identificar um empreendedor na trajetória de Mauá por trazer na sua personalidade, características de inquietude, de incontinência de tendência para o amanhã, de despertar o futuro e acima de tudo, ser um visionário, alguém que soube conviver com riscos e contingências, perseguir um ideal e por natureza, ser teimoso em suas ações, ser um otimista militante, possuir conhecimento e capacidade para realizar os sonhos e projetos utópicos, bem como, e desafiar as incertezas do mundo.
Mauá pode ser considerado um empresário que conseguiu realizar as utopias de sua época. Neste sentido, Mauá se destaca no pensamento Utópico moderno, uma vez que “atualizou na práxis”, o conceito de utopia-concreta pensado por Ernst Bloch (2005).
Bloch(2005) ao estudar as utopias concretas, em sua obra magna, O Princípio Esperança, observa que todo ser humano tem possibilidades de construir e realizar seus sonhos diurnos e suas utopias. Na visão do autor, tais sonhos são inovadores não reeditam o passado, uma vez alcançados, se reproduzem em novos sonhos, dando lugar a novas utopias que vão se tornar real.
A utopia pode ser entendido como um valor-nato do homem, conforme prescreve Souza (2008), a “Utopia Não pode ser Destruída, pois Ela é o Valor mais íntimo do Ser Humano, Inclusive dos Últimos entre os Últimos”. Irineu Evangelista de Sousa foi um dos empresários que mais cultivou este valor, para ele, certamente, foi um dos primeiros valores entre os primeiros.
Portanto empreendedor seria, certamente, aquele que ao realizar seus sonhos, ao alcançar o objeto de seu desejo, deve trazer consigo, um algo a mais, um “princípio esperança”, aquele princípio que conduz a concretude, que concilia o ser humano e a natureza incompreendida. Bloch certamente apontaria Visconde de Mauá, um "exemplo" de alguém que acreditou na possibilidade de fazer de seus sonhos acordados e suas tantas utopias se tornarem concretas, podendo citar entre eles a industrialização, abolição da escravatura, e o desafio de interligar o Brasil ao mundo pelas telecomunicações.
Neste sentido pode-se pensar o empreendedor, como o empresário capaz de desafiar, riscos, as contingências que movido por um espírito de esperança, cria não só as condições de credibilidade para suas utopias como tem a oportunidade de torna-las real.
Assim pode-se entender os traços de um empreendedor na figura de Irineu Evangelista de Sousa - Visconde de Mauá. Órfão aos 5 anos de idade, aos nove anos foi levado por seu tio a capital do Império para iniciar-se na ciência do comércio. De sorte que encontrou no comerciante escocês, Richard Carruthers seu entusiasmado tutor, a pessoa que lhe oportunizou ser gerente da empresa Carruthers & Cia e mais tarde tornar-se, em seu tempo, o maior expert em finanças e contabilidade do país.
Mauá, foi o empreendedor , que inaugurou a industrialização do país com uma série de investimentos, fundadando e participando de várias outras empresas. Conforme Izecksohn e Martins(2005), na pesquisa Análise Mauá e Cia a Autocrítica do Maior Empreendedor Brasileiro, Mauá fundou 10 empresas; Investiu em outras 11 empresas, além de participar de outras formas de empreendimentos.
Pode-se verificar na relação a seguir, o elenco de empreendimentos e participações Mauá, fato que bem demonstram sua vocação e sua personalidade empreendedora:
Estabelecimento da Ponta da Areia;
Banco do Brasil;
Companhia de Rebocadores a Vapor para o Rio Grande;
Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro;
Estrada de Ferro de Petrópolis Navegação a Vapor do Rio Amazonas;
Companhia Diques Flutuantes;
Estrada de Ferro Santos a Jundiaí;
Estrada de Ferro do Rio Verde;
Banco Mauá &Companhia. Investimento
Cabo Submarino;
Companhia Fluminense de Transporte;
Estrada de Ferro do Recife a São Francisco;
Estrada de Ferro da Bahia;
Companhia de Curtumes;
Companhia Luz Esteárica;
Montes Áureos Braziliam Gold Mining Company;
Estrada de Ferro D. Pedro II;
Caminho de Ferro da Tijuca;
Botanical Gardens Rail Road Company;
Estrada de Ferro Antonia à Curitiba .
A saber sua primeira industria de fundição, denominada Ponta da Areia em Niterói produziu os canos de ferro que canalizaram o rio Maracanã. E sua outra empresa “Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro” ofereceu na noite de 25 de março de 1854 uma visão inimaginável, as ruas, pontes, praças da corte, foram pela primeira vez, iluminadas pelos lampiões a gás, também , instalados pela empresa de Mauá.
Entretanto a industria de Ponta de Areia foi a que mais resultados trouxe ao país na época, produzindo navios a vapor, mais de 71 navios foram lançados ao mar, alguns dos quais foram construídos e destinados especialmente à guerra da tríplice aliança contra o Paraguai em 1864-1870.
Merece destaque o memorável fato quanto em 30 de abril de 1854, ao som de apitos festivos, o primeiro trem a vapor chamado de Baronesa ( homenagem a sua mulher) percorria os 14 km entre o Porto de Estrela, na Guanabara e Raiz da Serra, no percurso da cidade de Petrópolis, na ocasião inaugurada pelo Imperador D. Pedro II. Tal empreendimento foi reconhecido pelo imperador e Irineu Evangelista de Sousa ganhou o título de Barão de Mauá.
Vinte anos depois, 1874 já passado por desgastes e sofrido hostilidades do Império, Barão de Mauá que nunca deixou de ser um visionário do país, sonhou, juntamente com outros investidores brasileiros, a possibilidade de estabelecer comunicação com o mundo. Assim, como um empreendedor nato, liderou a Implantação do primeiro telégrafo via cabo- submarino entre Brasil-Europa, oportunidade que recebeu a gratidão e reconhecimento do Imperador D. Pedro II, sendo promovido a Visconde de Mauá.
Nesta ocasião, o imperador enviou mensagens a rainha Vitória, Papa Pio IX e o imperador da Alemanha Guilherme I. O país reconhece neste projeto, o pioneirismo de Mauá que promoveu e implantou novos meios de comunicações. Pode-se dizer que a partir daquele ano, o Brasil “aproximou distâncias” integrou o mundo das comunicações, e se fez presente no concerto das nações.
A historia de Visconde de Mauá (1883) deixa em seu rastro, uma epopeia de fatos, desafios e exemplos que deveriam ser estudados em todas as escolas.
Irineu Evangelista de Sousa foi um homem industrioso, pode-se dizer um Ulisses, não só preocupado com a industrialização, diversificar a economia, gerar empregos, mas também trabalhou pela abolição da escravatura e autonomia econômica do país, sendo reconhecido entre seus pares por defender com veemência tais ideias consideradas liberais na época.
Mauá ousou desafiar a letargia do governo brasileiro, dos ministros e os servidores que parasitavam o Império ocioso e indolente. Tais assessores do império comportavam-se como verdadeiros Cíclopes, enxergavam apenas de um olho só, sendo incapazes de ver “o novo”, tinham olhar apenas para o extrativismo, e como objetivo fortalecer uma oligarquia agonizante que vivia as custas da inominada escravidão.
Assim, enquanto o império acumulava seus tesouros em bancos estrangeiros e a oligarquia dormitava a sombra dos cafezais, prevendo a frente vitoriosa da República, Irineu de Sousa , seguia seu instinto de empreendedor, continuava a investir seus recursos, fundando novas empresas e patrocinando o desenvolvimento do Brasil industrial.
Diante desta inquietude empresarial brasileirta, Mauá não só fundou 25 empresas como tornou-se uma das maiores fortunas do país. Caldeira ( 1995,p.439) observa que enquanto o orçamento do império era de 18 mil contos de réis, a fortuna pessoal da Mauá & Cia atingia 115 mil contos de réis, equivalendo a 12 milhões de libras esterlinas ou 60 milhões de dólares, tornando-o um dos empresários mais ricos do mundo, a ponto de Julio Verne em sua obra, A volta ao Mundo em 80 dias, citar um de seus personagens Mr. Foggs como cliente do Banco Mauá.
Conforme prescreve Caldeira (1995,p.540), certa vez, Mauá, em condição estável, sem problemas financeiros, em carta a Ricardo Carruthers, faz um comentário, reforçando o fato que se repete nos dias de hoje entre o público- privado: “...desgraçadamente entende-se que os empresários devem perder para que o negócio seja bom para o Estado, quando é justamente o contrário que consulta os interesses do país”. Citação prescrita em seu livro Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de Mauá & C e ao Público( 1878).
Após correr riscos e enfrentar as hostilidades palacianas foi obrigado a pedir concordata. Àqueles que analisaram os empreendimentos de Mauá & C verificaram que na caminhada de empreendedor, nunca lhe fugiu a responsabilidade, nem sua credibilidade junto aos colaboradores e acionistas, jamais deixou de honrar os compromissos com seus credores.
Diante das contingências do império brasileiro pode-se concluir que Barão de Mauá, não foi apenas um “exército de um homem só”, mas certamente foi um “exemplo de um homem só contra um exército do brasil imperio”. Por fazer frente, as ideias de industrialização, por realizar sonhos que pareciam utópicos, Visconde de Mauá inaugurou a maior ruptura com o estatus quo da época, permitindo a economia do país ensaiar os primeiros passos para industrialização, exemplos que perenes no tempo, eque deverão ser relembrados às novas gerações.
Posteriormente, encontramos o Mauá tardio, um visconde que ressurge como a Fênix Onírica, merece destaque sua liderança em uma das maiores utopias do século XIX, tornar possível, tornar real, o primeiro sistema de telecomunicações via cabo-submarino e com isso interligar o Império do Brasil ao mundo. Diante desta inquietude, como não reconhecer na figura de Mauá, como ícone do empreendedorismo nacional, o exemplo de empresário empreendedor que fundou 25 empresas e tornou-se uma das maiores fortunas do país.
Visconde de Mauá deixa em sua trajetória dois exemplos marcantes: o primeiro se inscreve nos traços da personalidade do empresário, todo empresário empreendedor deve possuir vocação ou disposição para empreender. O segundo demonstra um otimismo, ou seja, todo empreendedor deve acreditar na possibilidade de realizar seus sonhos utópicos, considerando que todo empreendimento que-ainda-não-é, terá a possibilidade-de-ser.
Quanto as utopias concretas deMauá, estão presentes na história apenas, para serem contempladas ou admiradas, os eventos que foram possíveis não devem alimentar um saudosismo do passado, mas sim, ser motivador, entusiasmar o espírito inovador do ser humano, principalmente devem servir de inspiração tanto para o setor público como setor privado.
Quanto as utopias concretas deMauá, estão presentes na história apenas, para serem contempladas ou admiradas, os eventos que foram possíveis não devem alimentar um saudosismo do passado, mas sim, ser motivador, entusiasmar o espírito inovador do ser humano, principalmente devem servir de inspiração tanto para o setor público como setor privado.
Estas reflexões sobre Mauá e seu empreendedorismo asseguram que um país que planeja suas estratégias focadas na construção do futuro, não tem espaço para o pessimismo, ao contrário deve ser capaz de mostrar as futuras gerações que sem entusiasmo, sem otimismo, sem esperança estaremos reificando a festejada oligarquia do império e dando vida, a velha relação incestuosa com o Estado burocrático.
É possível empreender, é possível acreditar no amanhã, o desafio de construir o Brasil do Futuro está aliado a uma esperança, ao otimismo militante, capaz de desenvolver condições político-sociais e econômicas, de promover a sustentabilidade e de oferecer qualidade de vida a seu povo.
Este pode ser um dos legados de Visconde de Mauá, um homem do seu tempo, que sempre será lembrado como exemplo de empreendedor, que sempre será estudado nas Escolas, nas Universidades e nas mais diversas áreas de administração, contabilidade, economia, engenharia, e nas ciências política -sociais e humanas como homem público e respeitado humanista.
Nestes 200 anos que celebramos Visconde de Mauá, os brasileiros e o mundo poderão rever os sonhos e às utopias–concretas de um empresário empreendedor:
enquanto houver navios nos portos, singrando mares e rios;
enquanto houver alguém produzindo energia ;
enquanto a houver alguém iluminando uma cidade ;
enquanto houver um empresário buscando investimentos;
enquanto houver meios de telecomunicações;
enquanto houver um historiador comprometido com a pesquisa;
enquanto houver um sonho, um visionário, uma utopia -possível;
enquanto houver um apito de um trem ...
poderemos dizer ali está presente o “espírito de ser” de Irineu Evangelista de Sousa, Visconde de Mauá, um Ícone do empreendedorismo, o empresário que desafiou Império Brasileiro, para realizar seus sonhos e utopias e dar início a modernização do país.
Referências
BLOCH, Ernst.Princípio Esperança.Tradução.Nélio Schneider. Rio de Janeiro: Ed.UERJ Contraponto,2005.V-I,V-II,V-III.
CALDEIRA,Jorge. Mauá Empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras,1995.
__________Fluente e empolgante: o Brasil descobre Mauá. ERALIGTH, São Paulo: V.2n.3,p.8-14.mai/jun 1995.
HIRISCH, Paul M.. Entrepreneurship,entrapreneurship and venture capital: The foundations of economics renaissance. Lexinton: Lexinton Book,1986.
IZECKSOHN, David;MARTINS, Paulo Emílio M. Mauá e Cia: a Autocrítica do Maior Empreendedor Brasileiro do Século XIX. Brasilia: XXIX EnANPAD, 1995.
KKETS DE VRIES, Manfred F.R. The entrepreneurial personality: a person at the crossroads. The journal of Management Studies, V.14,n.1, p.34-57,1977.
MAUÁ,Irineu Evangelista de Sousa..Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de Mauá &C e ao Público.Rio de Janeiro: Typ. Imp e Const. de J. Villeneuve &C,1878.
MINTZBERG,H. (ORG.) Safari de Estratégia:um roteiro pela selva do planejamento estratégico.Porto Alegre: Bookmann,2000.
SOUZA, Ricardo Timm de. Em Torno à Diferença: Aventuras da Alteridade na Complexidade da Cultura Contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008.